sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Costume

Já dizia Mário Quintana: “A vida é o dever que nós trouxemos para fazer em casa. Se me fosse dado um dia, outra oportunidade, eu nem olhava o relógio. Seguiria sempre em frente e iria jogando pelo caminho a casca dourada e inútil das horas(…)”. Eu sei que somos todos adaptáveis a qualquer circunstância, por mais que demore ou seja um pouco dolorosa, nossa capacidade de se adequar extrapola os limites do entendimento e talvez seja isso uma das maiores provas da nossa inteligência. Nos acostumamos com situações agradáveis, pessoas complicadas, ambientes estranhos e estilos diversos. Todo mundo sabe que toda hora precisamos nos acostumar. Eu sei que a gente se acostuma, mas não deveria ser em todo assim.

A gente se acostuma a viver em apartamentos minúsculos, a apreciar a natureza por janelas. Como a natureza barulhenta tomou conta da bela paisagem, nos acostumamos a nem querer tocar mais nas cortinas. De repente, o sol já não entra mais e passamos a viver na luz artificial, encolhidos em um canto escuro, sem ter noções da amplitude do que está nos esperando ao redor da nossa redoma.

A gente se acostuma a depender do despertador, a acordar assustado porque o atraso insiste em perturbar. A gente se acostuma a comer rápido, se vestir como sempre, não cumprimentar ninguém e a resolver problemas que só trazem consigo mais complicações.

A gente se acostuma a ver os noticiários e achar a guerra normal e as desigualdades corriqueiras. A gente se acostuma a trabalhar sempre mais para ganhar sempre menos, a se dedicar sempre com mais afinco para receber algo sempre menor em troca, a ser exigido mais e valer sempre menos do que o real.A gente se acostuma com a tristeza e com o fato de algo não dar certo.

A gente se acostuma com algo sujo para não ter que limpar, a aceitar humilhações para não arranjar uma briga, a exercer um labor pesado se consolando com o final de semana. E quando o fim de semana chega para esquecermos do cotidiano explorador, ele sempre é monótono e acabamos o domingo dormindo cedo para começar tudo outra vez. O sono estava atrasado mesmo não é? A gente se acostuma com isso.

A gente se acostuma a amar menos, abraçar menos, demonstrar menos afeto. A gente se acostuma a desconhecer quem vive ao nosso redor e a conhecer mais o jornalista da televisão que me informa das desgraças diárias. A gente se acostuma a não cumprimentar ninguém, a tratar com frieza quem precisa do nosso olhar e recusar uma ajuda.

A gente se acostuma a achar que tudo vai acontecer amanhã, apesar de fazer tudo para ontem. A gente se acostuma a achar que é amanhã que não teremos mais problemas e que amanhã é que nosso mundo vai melhorar. Que amanhã é que a neblina que me impede de realizar meus sonhos vai sumir. Que é amanhã que decidiremos ser felizes.

Mas a gente não se acostuma a pensar que não existe amanhã. Quando eu me encontrar com quem amo vou dizer que estou lhe encontrando hoje e não amanhã. Não dizemos que é amanhã que estamos fechando um bom negócio e sim hoje. Não é amanhã que me faz feliz e sim o momento chamado "agora". Não estou sorrindo amanhã, estou sorrindo agora. E não vai ser o amanhã que vou viver, estou vivendo agora.

A gente se acostuma a poupar o tempo, a poupar a vida. E daqui a pouco é a vida quem vai querer nos poupar por não darmos a mínima para ela.

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