quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Além

Na verdade era tudo o que ela precisava. A noite chegara e com ela, as memórias de um dia tomado pelo caos. Mas eis que a chuva caía, caía na mesma proporção do turbilhão de pensamentos que atingiam sua mente. O desejo mais profundo naquele momento era que a chuva ao cair na calçada levasse consigo todo aquele mar de ilusões que lhe agoniava. Ela anseava que cada gota que beijava sua janela lhe trouxesse um sopro de esperança. Mais do que isso, se deixasse se levar pelo barulho calmante lá de fora, ela certamente iria deixar o mundo de lado e correria à chuva, pedindo que ela lhe levasse para longe dali ou que encharcasse o seu lado que doía. Só que ela estava em uma prisão interior. Poucos conheciam seu sofrimento. Ela não detinha forças para se render à chuva, sentia um resquício de inveja dela. Tão linda, tão clara, tão livre. Além de tudo trazia consigo a paz que ela tanto precisava. Ela queria conhecer mais a chuva. Queria saber o segredo que a fazia tão amiga do Sol: aquele astro tão imponente que arranca sorrisos das pessoas a cada vez que ameaça aparecer, mas que ao mesmo tempo doa seu lugar de destaque quando a chuva deseja dar o ar da sua graça. Foi então que ela respirou fundo e sentiu aquele cheiro de terra molhada e olhando para o céu, viu que o sol estava querendo seu posto novamente. Sem deixar sua amada ir embora sem despedidas, ela levantou-se subitamente, tirou os sapatos e correu ao quintal. Agora ela e sua amiga estavam entrelaçadas e dançantes. Foi então que sentiu que aquele era o primeiro grande dia do resto da sua vida. Encharcou-se de ânimo. Quando a música acabara, chegou o astro-rei e fez o favor de levar para si a agonia evaporada. Mesmo lhe ajudando, acabou afastando sua nova amiga para longe, mas não havia conseguido levar de sua roupa o perfume inconfundível.

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